Realizado por João Salaviza e Ricardo Alves Jr., dois consagrados realizadores conhecidos pela sua visão crítica das cidades e pelo trabalho que têm vindo a fazer em matérias como a gentrificação, esta curta-metragem, candidata a um Urso de Ouro, é, também por isso, notável.
É que, além do mais, este filme foi encomendado e pago pela Câmara do Porto, sabendo que, com a liberdade que dava aos cineastas, abria a porta de um dos seus mais complicados armários.
Pode dizer-se que a quem herdou o problema do Bairro do Aleixo, com um fundo imobiliário sem dinheiro e sem casas para entregar, com duas torres demolidas e compromissos legais assumidos, não seria exigível, no prazo de um mandato, fazer o impossível, transformando pedras em ouro.
Pode também dizer-se que a forma como Rui Moreira o encarou, deu aos moradores mas também à Câmara do Porto e ao interesse público, uma luz que parecia irremediavelmente apagada.
Dirão outros, “pois, mas o problema maior, o das pessoas, ainda não foi resolvido”. Sendo verdade, é também seguro que o relógio inverteu a marcha. O fundo do Aleixo agora recapitalizado, tem já em curso a construção das habitações com que se comprometeu em mandatos passados, mas que nunca tinha feito. E está a fazê-lo sem se tornar num gigante despesista para o Estado, como ameaçava tornar-se. E essa inversão até já permitiu que a Câmara do Porto tivesse investido recentemente mais de uma centena de milhares de euros em elevadores e outras dezenas de milhar em pequenas mas fundamentais intervenções.
Mas as pessoas, não se tratam apenas com betão e buldozers.
As do Aleixo, a gente boa do Aleixo, que como a “Russa” têm a capacidade de saltar, até, para o enorme ecrã de Berlim, tratam-se dando-lhes o que, realmente, não têm e merecem por desígnio Constitucional: uma habitação condigna. E também se tratam dando-lhe espaço, vida, lugar, cultura e mundo, como se faz com este filme, que as imortaliza, exemplarmente.
Abrir a porta dos problemas, enfrentá-los e mostrá-los sem medo do mundo ao mundo, sem receio do escrutínio e da crítica, é próprio apenas de grandes homens e mulheres. Dos maiores seres humanos, mesmo. Porque é um acto de verdadeira democracia, de exemplar pluralismo e respeito e uma demonstração de genuína coragem.
O que a “Russa” – mulher de armas do Bairro do Aleixo, actriz acidental em Berlim – merece não é só um Urso de Ouro. Ela merece, realmente, uma cidade que a respeita e que se respeita. Uma cidade integra e digna, mesmo quando ainda há feridas por sarar e o Aleixo é uma delas. Essa, a “Russa” já tem. O resto vem já aí. Enquanto o Porto mostra o mundo, sem vergonha, o Porto.
Texto de opinião assinado por Nuno Santos (membro fundador da associação cívica Porto, o Nosso Movimento)