Não foi uma “quadratura do círculo”, mas sim um “semicírculo”, constituído por António Lobo Xavier, Jorge Coelho, Rui Moreira, e por Miguel Pereira Leite, presidente da Assembleia Municipal do Porto, moderador do debate. Tratou-se de uma séria Conversa à Porto, a segunda sobre descentralização promovida no espaço de meses, começou por assinalar Francisco Ramos, presidente da direcção do Porto, o Nosso Movimento (a primeira ocorreu em Abril e teve como orador convidado Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira).
Do debate convergiram ideias mas também houve lugar para a confrontação de opiniões. De comum acordo, os três oradores partiram para a conversa defendendo que a descentralização aprofunda a democracia; que é uma forma de valorizar os recursos humanos e materiais de um determinado território; que promove iguais oportunidades de progresso entre o interior e o litoral; que estimula a população a uma maior participação cívica e política; e que, uma vez implementada, assinalou Miguel Pereira Leite, gerará mais oportunidades de “obtenção de apoios externos”, designadamente aqueles que, a nível europeu, estão reservados a países que aplicam princípios descentralizadores.
Numa conversa que não se cingiu ao binómio Porto-Lisboa e que se desenvolveu à luz de todo o território nacional, Jorge Coelho, ex-ministro do PS e histórico militante socialista, advogou uma atitude mais proactiva do Estado, também partilhada pelos dois oradores do painel: “Isto [a descentralização] não vai lá com falinhas mansas, tem que ser a opinião pública a impulsionar”.
Só quando confrontados pelo moderador de que forma poder-se-ia definir um modelo de descentralização para o país, começou a despontar a sã e expectável divergência de ideias. Se, por um lado, Jorge Coelho, também fundador do Movimento pelo Interior, entende que a atuação fiscal pode ser um importante coadjuvante ao desenvolvimento socioeconómico do interior, já Rui Moreira e António Lobo Xavier consideraram que, por mais incentivos que sejam dados a esse nível (alguns deles até já estão previstos na lei), por si só não têm força suficiente para impulsionar uma estrutural mudança.
Por isso, concordaram que tem de ser o Estado central a investir no interior, de modo a que sejam criados pólos de atracção impulsionadores da fixação de pessoas e negócios. O primeiro passo, aliás, tem de ser dado por esta via, até porque – todos estiveram de acordo – 20 anos após o “desastroso” referendo sobre a regionalização, nada avançou.
Por outro lado, outro tema houve no debate que aproximou a visão de Rui Moreira à de Jorge Coelho: o Ensino Superior. Para o socialista, que afirmou não ter gostado nada “da gritaria do reitor da Universidade de Lisboa sobre a perda de estudantes”, a medida governamental de cortar 5% nas vagas das áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto é bem-vinda. Rui Moreira entendeu que é compreensível, uma vez que a finalidade é estimular a procura de estabelecimentos de ensino superior no interior, também de elevada qualidade. Já António Lobo Xavier demonstrou mais reservas e disse não estar completamente convencido da eficácia da medida.
“O poder político sucumbiu à máquina do Estado”
Durante o debate, Rui Moreira deu como exemplo o processo do Infarmed. Na realidade, poucas horas antes, o presidente da Câmara do Porto declarava à comunicação social que já não acredita que a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde venha alguma vez a sair de Lisboa, analisando toda a “trágico-comédia” que ganhou forma nos últimos dias.
“Imaginem o contrário. Imaginem que o ministro da Saúde tinha voltado a dizer que o Infarmed vinha para o Porto. A esta hora tínhamos jornalistas ali fora a perguntar pelos trabalhadores e gente acorrentada ao Infarmed em Lisboa”, satirizou já no interior da Fundação Cupertino de Miranda.
Por isso, reiterou o que já tinha dito no início deste mês ao semanário Expresso. “O Infarmed é a anedota da descentralização”, para acrescentar que “mal está o país se pensa que pode descentralizar com estes obstáculos”.
“Em Portugal criou-se um novo léxico: sinergias” de e para Lisboa
Para Rui Moreira, o termo “sinergia”, que até tem um bom fundo etimológico, acabou por converter-se numa palavra aplicada “à máquina do Estado” que tudo absorve a partir da sua capital.
Não esquece o autarca o que aconteceu, por exemplo, à CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), que ficou sem a sua delegação no Porto, ou ao Compete 2020, que foi uma estrutura criada no âmbito do Portugal 2020 que acabou por implantar-se em Lisboa, por mais démarches que tenha realizado no sentido de promover a instalação deste organismo na cidade do Porto.
“Quando o conceito de pólo exportador e a indústria está a Norte, quando foi a Região [Norte] que salvou o país da crise, não se entende esta decisão. Talvez porque houve um grupo de estudiosos que achou que ficava bem em Lisboa”, notou.
E lamentou ainda: “há praticamente cinco anos chamaram-se de parolo, porque contestei a forma como o quadro comunitário estava a ser gerido”. Volvido este tempo, o presidente da Câmara do Porto continua a achar que “fomos extraordinariamente incompetentes”.
Lembrando as palavras de Adriano Moreira sobre a exiguidade do Estado, Rui Moreira também não poupou críticas aos corredores e bastidores do poder em Lisboa, não tendo dúvidas que são cúmplices na crise que assolou a banca portuguesa (isto porque, na sua opinião, derivam de pesados e desastrosos empréstimos realizados ao longo das últimas décadas).
“Portugal é hoje um estado corporativo”, consolidado nas últimas décadas pela influência do setor da administração pública junto do poder político, interpretou.
O também presidente do Conselho de Fundadores da Associação Cívica – Porto, o Nosso Movimento, olhou para a nossa vizinha Espanha como exemplo de um bom modelo de descentralização a seguir e comentou que “estamos a criar dentro do país migrações que não resultaram em benefício dos cidadãos”. Nesta linha de pensamento, identificou as periferias das duas Áreas Metropolitanas (Porto e Lisboa) como aquelas onde incidem os “piores fatores de exclusão”.
Solução: combater o “indiferentismo”
A palavra, aplicada pelo Professor Valente de Oliveira no final das Conversas à Porto, sintetizou tudo o que antes fora dito por intervenientes e moderador, arrancando fortes aplausos da mais de uma centena de participantes (associados e não-associados) deste jantar-debate.
Também para Jorge Coelho o perigo mora na “fraca opinião pública que existe em Portugal”. Enquanto não houver essa mudança de mentalidades, que também deve ser estimulada e fomentada pelo poder político local, pouco mudará, constatou.
António Lobo Xavier alinhou, dizendo que é preciso haver um “sobressalto cívico”.
Nesta senda, Rui Moreira lançou duas reflexões. “Porque é que não se desenvolve o aeroporto de Beja em vez de se construir um de raiz no Montijo? Seria mais fácil e vantajoso”. De acordo com o autarca, facilmente se reduziria o tempo actual entre Lisboa e Beja de uma hora e meia para uma hora, tornando esta infraestrutura da cidade alentejana com grande potencial para atrair companhias aéreas low-cost, comparando-a mesmo ao aeroporto de Beauvais, que se tornou aeroporto-âncora de Paris e dista cerca de 100 quilómetros da capital francesa.
A segunda, ligada a um grande investimento que o Estado pretende fazer, com o qual não concorda: “um Porto de águas profundas no Barreiro é uma verdadeira obsessão e um profundo disparate”, concluiu.