27 Agosto, 2020

De norte a sul do país autarcas independentes contestam revisão da lei autárquica cozinhada pelo “centrão”

Uma semana após a promulgação do Presidente da República à revisão da lei autárquica, os ecos do descontentamento dos autarcas independentes eleitos chegam de todo o País. O Expresso ouviu-os e partilha nesta quinta-feira as reações àquilo que os grupos de cidadãos eleitores consideram “um ataque” perpetrado por PS e PSD. Em declarações ao semanário, os presidentes de Câmara de Vila Nova de Cerveira, Vila do Conde, Oeiras, Portalegre e Estremoz, e também o presidente da Câmara do Porto, manifestam-se contra o que consideram ser uma ditadura do “centrão”, que impede a ida a votos com a mesma sigla e símbolo da candidatura à presidência da Câmara e às assembleias de freguesia.

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Depois de o Porto, o Nosso Movimento ter sido o primeiro a reagir à revisão legislativa cozinhada entre o bloco central, no dia em que o Presidente da República a promulgou de “cruz”, as réplicas sucedem-se um pouco por todo o território nacional, território esse que nas últimas eleições autárquicas viu subir significativamente o número de candidatos independentes eleitos a câmaras municipais e juntas de freguesia.

O mapa que em 2017 deixou de se vestir quase em exclusivo de rosa e cor-de-laranja, afligiu as hostes socialistas e sociais-democratas, que durante este tempo, não descansaram até ao ponto de acertarem este casamento de conveniência, consumado na revisão legislativa, e que obteve o beneplácito do Chefe de Estado Português.

Foram estas as únicas forças políticas (PS e PSD) que votaram a favor desta revisão, titulada pelos independentes de “cozido à portuguesa”, “corporativismo partidário”, “machada anti-democrática” ou “ditadura do centrão” que há mais de 40 anos governa o país, cita o Expresso.

[ARTIGO EXPRESSO]

Apesar de não ter ficado surpreendido com o teor da proposta do PSD, aprovada há um mês e promulgada na passada semana por Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Câmara do Porto lamenta que a Assembleia da República tenha cedido “às birras e obsessões de Rui Rio”, recordando que o líder do PSD “conseguiu agora o que perdeu nos tribunais” em 2017, quando o partido tentou impugnar a sua candidatura com a sigla ‘Rui Moreira, Porto o Nosso Partido’.

“Como perdeu, fez agora este caldinho com o PS, um cozido à portuguesa que tem por motivo óbvio infernizar a vida dos movimentos independentes”, comenta ao Expresso autarca que há três anos reconquistou Câmara do Porto com maioria absoluta.

No caso do Porto, se Rui Moreira voltar candidatar-se, o movimento criado em 2013 terá de deixar cair a palavra ‘partido’ – proibida a partir de agora nas proposituras independentes – e ir a votos com siglas diferentes, uma para a Câmara e Assembleia Municipal e outras tantas para as sete juntas de freguesia da cidade. “No nosso município são sete as juntas, mas há outros, como Barcelos, com dezenas de freguesias, o que irá gerar uma enorme confusão nos eleitores”, avisa Rui Moreira, que acusa Rui Rio de ter gizado “propositadamente” uma lei “ainda mais desigual para partidos e movimentos”, tendo o “topete” de justificar as alterações em nome de uma maior transparência e clarificação.

“O que os grandes partidos aprovaram é uma lei antidemocrática, um modelo à húngara ao estilo Orbán, que só serve para baralhar e confundir os eleitores”, defende Moreira, que diz que “o mais extraordinário” é que as coligações podem usar na sigla o nome do candidato à Câmara e às freguesias. Tal como já apelou a associação cívica ‘Porto, o Nosso Movimento’, Rui Moreira também lança o repto a Rio para ir a votos no Porto, “a solo ou em coligação com o Chega ou o PS”, a ver se vence nas urnas o que ganhou no Parlamento.

Hipocrisia partidária, atira Isaltino

Isaltino Morais, dissidente do PSD e reeleito em Oeiras “com a candidatura mais independente de Portugal”, conforme proclamou na sua vitória em 2017, afirma que a revisão à lei autárquica traduz “o horror do Governo e dos grandes partidos” aos movimentos independentes. “É uma lei hipócrita, absurda e mal feita”, diz, antecipando o caos ao remeter para o “tribunal competente” de cada comarca a aprovação das listas.

Para o autarca que foi a votos em 2017 com a sigla ‘INOVAR- Oeiras de Volta’, o impedimento legal de os candidatos à Câmara e Assembleia Municipal poderem concorrer com a mesma sigla e símbolo às juntas de freguesia é uma “estocada de morte” aos movimentos independentes. “Não permitir que os independentes concorram com a mesma sigla é causar confusão aos eleitores e tornar os municípios ingovernáveis, por dificultar a conquista da maioria das freguesias, cujos presidentes têm assento direto nas assembleias municipais”, avisa Isaltino, revoltado com uma lei à medida dos partidos.

No caso de Oeiras, lembra que em vez de uma propositura de candidatura com sigla única são precisas seis, o que diz configura a “destruição” de um movimento “único e sólido”. “A democracia sofreu uma machadada ao dificultar a vida aos independentes, privilegiando os filtros carreiristas e a grande cacicagem das candidaturas partidárias, sujeitas a disciplina interna das comissões políticas, muito fechadas”, adverte.

O autarca avança que conhece muitos jovens que querem participar na ação política – “muitos vêm falar diretamente comigo” – e que são travados pelos partidos “para não atrapalhar na distribuição de lugares”. A um ano das autárquicas, o autarca questiona quantos candidatos já se sabe que irão a votos em 2021, alertando que as candidaturas precisam de tempo para saírem vitoriosas. “O que acontece nos partidos é que na maioria dos casos são os presidentes concelhios a ir a votos para as autarquias, depois de ganharem o aparelho a nível local”, refere.

Isaltino Morais também não poupa nas críticas à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), liderada pelo autarca socialista de Coimbra Manuel Machado, mudo até agora face uma lei discriminatória. “Como se vê, a ANMP não existe para nada”, atira, deixando ainda um remoque a Marcelo Rebelo de Sousa por ter promulgado a lei “assinando-a de cruz”, em pleno agosto.

Questionado se os constrangimentos da nova lei autárquica pesarão a favor ou contra uma futura corrida a Oeiras com as cores do PSD, Isaltino adianta que “uma coisa não tem nada a ver com a outra”, até porque “há uns a dizer que há namoro e outros não”. Não esconde, contudo, ter uma “maior simpatia ideológica pelo PSD ao centro de Rui Rio do que pelo neo-liberal de Passos Coelho”.

Marcelo não resistiu ao “centrão”

O presidente da Câmara de Vila Nova de Cerveira também lamenta “mais este ataque” aos grupos de cidadãos independentes e ao exercício da cidadania. Fernando Nogueira, eleito em 2013 e 2017 pelo movimento ‘Pensar Cerveira – Pence’, as posições do PS e PSD não são, contudo, de estranhar, por ser “evidente o desgaste do sistema partidário” e as dificuldades que tem em manter ou expandir o eleitorado. “A forma que encontraram para tentar travar esse desgaste é dificultar as pretensões dos movimentos cívicos”, diz o antigo vice da Câmara de Cerveira, eleito pelo PS, que ousou candidatar-se à revelia do partido após o seu nome ter sido chumbado internamente.

Para o autarca, “a verdadeira democracia não se faz só com os partidos”, que deveriam ter uma atuação mais proativa, “procurando entender a crescente falta de confiança do eleitorado”, e não impedir na secretaria os GCE. Fernando Nogueira não tem dúvidas que, com o aproximar das autárquicas do próximo ano, os grandes partidos tudo farão para inibir a constituição dos movimentos independentes, que “estão a ganhar maior protagonismo”, apesar dos constrangimentos legislativos, fiscais e financeiros.

Na ótica do autarca, a abertura à participação eleitoral dos grupos de cidadãos independentes terá sido, inicialmente, “uma distração” dos grandes partidos e que agora, “face ao seu papel e vozes críticas”, tudo farão para reverter a situação, “como se vê pelos obstáculos burocráticos que desmotivam a cidadania participativa”. Fernando Nogueira afirma ter ficado dececionado com a decisão do Presidente da República que, a um ano das autárquicas e com uma aparente normalidade, “não se conseguiu distanciar dos interesses do ‘centrão’, depois de ter adotado uma posição de imparcialidade em relação aos independentes”.

Apesar de ter uma visão menos crítica da revisão legislativa, Elisa Ferraz afiança que a mesma “traduz um corporativismo partidário”, que não põe, porém, em causa nem a essência nem o propósito dos GCE. A presidente da Câmara de Vila do Conde, dissidente do PS em 2017 e reeleita como independente, lembra que a “associação” do nome do presidente nas siglas de candidatura à freguesias é uma prática comum, não vislumbrando o propósito da proibição agora consagrada.

Para Elisa Ferraz, os ajustes legislativos vêm,porém, travar os movimentos independentes, que diz serem já um “inexorável fenómeno” local. A autarca até concorda que seja vedado aos GCE a utilização da palavra ‘partido’ nas suas siglas. “É uma precisão legal que se percebe, dado que a génese dos movimentos independentes é um ‘combate’ ao tradicional espectro partidário”, salienta, acrescentando que a referida precisão legal tem natureza genérica e por isso “é excessivo concluir que seja um ‘fato à medida’ da candidatura de Rui Moreira”.

Eleitores não são todos iguais?

Adelaide Teixeira, que chegou a governar pelo PSD depois de Mata Cáceres ter renunciado à Câmara e bisou a eleição com a ‘Candidatura Livre e Independente por Portalegre’, alega que a nova lei cria uma “clara limitação” às candidaturas independentes, ao “baralhar” as pessoas na hora de votar. A autarca deixa apenas uma pergunta a quem aprovou as novas regras: “Os eleitores de um mesmo município devem ou não votar do mesmo jeito que os que votam num partido?”. A conclusão é sucinta: “Não há claramente igualdade de oportunidade nas candidaturas partidárias e independentes”.

Francisco Ramos, que assumiu a presidência da Câmara de Estremoz após Luís Mourinha ter sido condenado por prevaricação, considera que “a lei é não só discriminatória como até de duvidosa legalidade constitucional”, ao exigir requisitos diferentes às candidaturas independentes em relação às dos partidos. Apesar das assimetrias e “obstáculos cada vez maiores”, o autarca – que já decidiu que não se recandidata – antecipa que a desigualdade de tratamento não irá passar despercebida aos olhos dos eleitores, que, se já “desconfiam dos partidos”, irão futuramente afastar-se ainda mais da política partidária.

“Há cada vez mais dissidentes dos partidos e este ataque à cidadania acabará por virar-se contra o feiticeiro”, assegura Francisco Ramos, que preconiza que na política local o que a população quer são “bons gestores e não candidatos impostos por lógicas e máquinas partidárias”. “Os movimentos independentes foram uma lufada de ar fresco em 40 anos de democracia. Agora os partidos de sempre tentam fechá-la apertando a malha à sua proliferação”, afiança.

Aurélio Ferreira, líder da Associação Nacional dos Movimentos Autárquicos Independentes (AMAI), avisa que a lei, “mais do que injusta”, é a seu ver “inconstitucional”, por “violar a Igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas”. O dirigente associativo lembra que as candidaturas independentes já eram discriminadas à partida ao nível das subvenções estatais e benefícios ficais, dado não terem direito a isenção de IVA. “Agora, sob o falso pretexto de se evitar a excessiva personalização ou a mexicanização dos movimentos independentes, o PSD e PS gizaram uma lei a travar o inegável: o fenómeno independente veio para ficar”, assegura Aurélio Ferreira, que recorda que entre 2013 e 2017 os autarcas independentes subiram de 13 para 17, sendo já a quarta força política a nível de câmaras e a terceira em juntas de freguesias, com mais de 400 presidentes eleitos.

“Os candidatos dos partidos jogam com melhores botas, os partidos fazem as regras e nomeiam o árbitro e o Estado é o sponsor», conclui o presidente da AMAI.

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