Na última sessão de julho das “Conversas à Porto” esteve em análise o papel da cidade do Porto no contexto metropolitano; os contrastes e os desafios da coesão territorial da Área Metropolitana do Porto, que reúne um total de 17 municípios muito heterogéneos entre si, num vasto território que se estende de Santo Tirso (norte do distrito do Porto) até Arouca (distrito de Aveiro); a dimensão estratégica e política da AMP no contexto nacional; e a definição de uma estratégia concertada em matéria de mobilidade.
Para início da conversa moderada por Filipe Araújo, número dois à Câmara Municipal do Porto, António Figueiredo disse reconhecer que “a questão do Porto e da escala metropolitana é delicada do ponto de vista político, diria mesmo muito atribulada”. “A Área Metropolitana do Porto é mais arma de arremesso [política] do que de construção”, assinalou o CEO Quaternaire Portugal, na sessão que uma vez mais, se realizou nos jardins da Casa São Roque, onde hoje está instalado um Centro Cultural de Arte, obra de Pedro Álvares Ribeiro (veja aqui o VÍDEO na íntegra).
Apontando defeitos ao mapa geográfico da AMP, recomposto muito por força do posicionamento para os fundos europeus, o também professor auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade do Porto defendeu, ainda assim, que “a escala metropolitana é única forma de assegurar escrutínio democrático a alguns problemas”, beneficiando da proximidade à população.
Certo de que a atual composição da Área Metropolitana do Porto “não é a mais adequada”, a AMP sobrevive em “défice democrático” e com problemas de coesão territorial, considerou António Figueiredo, acrescentando estar mais convicto da “cooperação política” no domínio do Grande Porto.
A falta de comparência dos agentes económicos também não ajuda, isto porque a governação económica não entra na equação, o que contribui para o enfraquecimento do poder da AMP. “Esgotamo-nos na concertação político-administrativa. Seria importante incluir áreas funcionais, como a logística à ciência e tecnologia”, comentou o convidado, reforçando a importância de os “atores económicos despertarem” para esta realidade. O “abanão”, continuou, pode já ser dado pelo Município do Porto, que precisa de “puxar” a Universidade do Porto para esta visão metropolitana e até para uma visão mais ampla, ao nível da Região Norte.
António Figueiredo falou ainda que há espaço na governação da AMP – em articulação com a academia, centros de investigação e conhecimento e os sistemas de infraestruturas (Porto de Leixões, aeroporto, etc.) – para criar um Porto Innovation District, capaz de “criar condições de atração de investimento estrangeiro direto estruturante”.
Outro dos aspetos abordados pelo especialista foi a questão da biodiversidade da Área Metropolitana do Porto, que também neste aspeto se diferencia muito da Área Metropolitana de Lisboa. Neste particular, há igualmente condições para evoluir, sendo certo que municípios o como de Arouca já têm vindo a explorar este potencial. O CEO da Quaternaire Portugal sugeriu mesmo a organização em torno deste ativo, com um projeto de futuro sob o nome “Biopolis”, propôs.
Com cinco ou seis grandes projetos, acredita, “podemos ter uma Área Metropolitana potentíssima”.
As últimas palavras de António Figueiredo foram para Rui Moreira. “Vi muita sensibilidade política nisto em relação à presidência de Rui Moreira e não noutras candidaturas”.
Imagem do “donut” não é válida. A renovação e mudança partem do centro do Porto para fora.
Paulo Pinho, professor catedrático da FEP, concordou com aquilo que foi dito pelo seu colega de painel e lançou o debate em direção a outro desafio estrutural: o da ferrovia (que deve ser alargado à escala regional). “O Porto tem um papel-chave no rebatimento”, não só pela sua posição estratégica como pelo seu peso político.
“Só uma cidade como o Porto e os seus protagonistas podem alavancar e ser a expressão desta visão”, declarou o especialista nas áreas do Planeamento do Território e do Urbanismo, dizendo que “se assumirmos verdadeiramente o polo metropolitano é a cidade do Porto que deve dinamizar este debate”.
Voltando ao tema da ferrovia, Paulo Pinho considera que Portugal tem aqui uma oportunidade para se modernizar aproveitando os fundos europeus da bazuca, e que o Porto deve liderar a Norte esta mudança, expandindo a rede, a partir do seu centro, para todo litoral Norte como para o interior Norte de Portugal e ainda para o Nordeste peninsular, entrando pela Galiza e Corunha.
Se no início dos anos 80 havia o desígnio nacional do plano nacional, agora “a grande ambição” deve ser a ferrovia, argumentou.
Olhando àquela que é a posição do Porto na escala metropolitana, o professor da FEP quis desmontar a imagem do “donut”. “O modelo era válido há 20 anos, mas hoje não é mais válido. Há a evidência clara de que os municípios à volta do Porto estão em estagnação ou declínio”, declarou. “Nunca dei muito para esta visão. A ideia de que as cidades estão a morrer é manifestamente exagerada”, reforçou.
Aliás, segundo Paulo Pinho, os sinais claros de renovação e mudança acontecem, precisamente, do centro do Porto para fora. “Tão ou mais importante é aquilo que não muda. É aquilo que cá está, que é a nossa raiz cultural”, sustentou.
Desafios da transição energética, digital e fiscal
Orientados por Filipe Araújo, os oradores convidados teceram considerações sobre os desafios da transição energética e digital. “Vai ser impactante para a Área Metropolitana do Porto e para o país. É transversal”, comentou António Figueiredo, consciente de que esta dupla transição está “dependente da forma como o tecido empresarial a vai incorporar”, sendo necessária uma monitorização.
Aliás, segundo o especialista, é fundamental ligar estes dois domínios, sem esquecer um terceiro: o da transição fiscal. Poder político, agentes económicos e centros de investigação e desenvolvimento têm de remar todos para o mesmo lado nesta matéria e a AMP pode ter neste âmbito um relevante papel de ligação, defendeu.
Por sua vez, Paulo Pinho analisou o que deve mudar do lado do consumo, destacando a necessidade de “dar sinais claros de mudança estilo de vida” e realçando que as cidades devem ser espaços instigadores dessa mudança. A “gestão de proximidade” e a “reorganização dos quotidianos”, garantindo que pessoas satisfaçam necessidades mais próximas sítios onde vivem e trabalham, providenciando transporte público qualificado e assegurando que a circulação a bicicleta e a pé não é um martírio, são aspetos a ter em conta, elencou.
“Temos de criar condições para que os consumos sejam mais sustentáveis e perceber o metabolismo urbano”, lançou o professor da FEP.
“Parlamento discute mais o Novo Banco do que as grandes opções para o país nos próximos anos”
Rui Moreira fechou a sessão, comentando alguns dos temas em debate. Concordou que “legitimação democrática é um problema [da AMP], mas não só pela razão apontada”, referiu.
“Quando falamos do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], vemos que o Parlamento demorou mais tempo a discutir o Novo Banco, que é chorar sobre leite derramado, do que a discutir as grandes opções do país para os próximos anos”, disse o candidato à Câmara Municipal do Porto.
Por essa razão, sustentou, “não devemos ficar limitados pela questão da legitimação democrática. Porque se for pelos habitantes, o Porto dificilmente a tem. O que permite legitimar enquanto cidades é propormos um modelo alternativo”, com instituições e forças vivas da Região, sugeriu Rui Moreira, adiantando que a campanha eleitoral será uma boa oportunidade para se fazer o diagnóstico.
Diagnóstico esse que, na sua opinião, converge com o dos especialistas. “Existe a necessidade absoluta de mudança de hábitos de consumo”, partilhou Rui Moreira, comentando ainda que a ideia do “donut” é “completamente errada”.
Quanto ao futuro, comunga que a sustentabilidade deve ser princípio, meio e fim a ter em conta em todas as ações políticas. Não é por acaso que, “pela primeira vez, o PDM [Plano Diretor Municipal] do Porto olha para o ecossistema”, rematou.