30 Junho, 2019

Conversas à Porto navegaram sobre questões “essenciais” que a Europa se recusa debater

Foi uma conversa informal e desabrida entre dois profundos conhecedores do projecto europeu. Paulo Portas e Rui Moreira navegaram pelo passado e presente da Europa, e identificaram questões estratégicas que faltam debater: migrações, demografia, a relação especial com África, diversidade cultural, o Islão, geopolítica e competitividade. Sem um franco debate sobre estas matérias, o futuro do Velho Continente permanecerá incerto.

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No rescaldo das eleições europeias, as Conversas à Porto subordinadas ao tema “Europa: sete questões estratégicas por resolver” aprofundaram assuntos que, tanto Paulo Portas como Rui Moreira gostariam de ter visto debatidos no período de campanha, mas que os partidos pouco ou nada falaram.

A conversa iniciou por essa constatação. “A Europa discute muito pouco as suas questões essenciais. Está muito pouco confortável com isso”, disse Paulo Portas, correlacionando este facto com a predominância “do efémero e do acessório” no mundo actual. O que leva o ex-líder do CDS-PP a crer que, neste panorama, a liderança de políticos como Winston Churchill ou De Gaulle estaria gravemente comprometida. “Churchill não sobreviveria cinco minutos na civilização dos likes”, gracejou.

Talvez a primeira preocupação, concorda Rui Moreira, seja precisamente essa: a superficialidade e o imediatismo comprometem uma liderança europeia estável. A pergunta retórica de Paulo Portas completa: “pressentem em algum líder europeu actual, homem ou mulher, que vai mudar alguma coisa? Eu não consigo. Está relacionada com a tal abreviação do tempo político”, analisa.

Porém, mesmo “quando tudo à nossa volta muda, há coisas que são constantes: a história e a geografia”, garante Paulo Portas. E, no caso europeu, as cicatrizes bem vincadas de duas Guerras Mundiais levam o ex-vice-primeiro-ministro a aferir que “a única garantia de paz na Europa é o projecto europeu”. Mesmo com tudo de imperfeito que tem.

“A Europa vive um pavoroso inverno demográfico”, diz Paulo Portas

Em 2100 haverá mais nigerianos no mundo “do que europeus e russos juntos”, contando 700 milhões de pessoas só na Nigéria, indica um estudo da ONU. Todavia, confrontada com esta previsão, a União Europeia pouco ou nada tem feito para aumentar a sua taxa de natalidade.

“Precisamos de migrações, porque a Europa atravessa um pavoroso inverno demográfico”, enfatiza Paulo Portas.

Perante uma ausência de estratégia neste domínio, acresce o problema de que “as migrações estão tomadas por dois extremos”, analisa o também comentador político: a ideia de que os Estados devem aceitar “vagas sucessivas de migração irregular” e, no noutro extremo, a recusa de migrações “por princípio e, por vezes, por preconceito”.

Para ultrapassar esta crise, Paulo Portas não tem dúvidas de que a União Europeia “tem de selecionar as migrações de que precisamos”. E caso não queiramos discutir o assunto, “ficamos na mão de utopistas ou de populistas”, vaticina.

Noutra vertente de análise do problema, aponta o dedo ao próprio modelo social europeu: “vamos ter cada vez menos activos, para financiar cada vez mais reformados, que viverão cada vez mais anos e terão, a partir de certa altura, menor rendimento para pagar mais custos”, prevê.

“Enquanto cidadãos, não fomos capazes de desenvolver patriotismo europeu”, afirma Rui Moreira

Segundo o presidente do Conselho de Fundadores do Porto, o Nosso Movimento, “o declínio da Europa” começou com as “guerras civis” que a assolaram de 1910 até 1945, suportando-se em Winston Churchill, que dizia que a Europa “só é possível através de uma pacificação das lutas continentais”.

Efectivamente, “durante muito tempo as coisas pareceram caminhar a uma velocidade razoável” e, de certa maneira, esse clima pacífico motivou “alguns factores aceleradores”, como a queda do muro de Berlim e o alargamento a Leste com o fim do império soviético, perscruta Rui Moreira.

No entanto, continua, “mais uma vez a Europa não foi capaz de compreender como é que devia mudar as velocidades”. Os países que queriam libertar-se do domínio russo “queriam rapidamente juntar-se a alguma coisa”. Confundiu-se “segurança e defesa” com uma União Europeia económica “que não estava preparada para ir mais além”, interpretou o presidente da Câmara do Porto.

Essa inaptidão teve consequências. “Enquanto cidadãos, não fomos capazes de desenvolver patriotismo europeu”. Como exemplo, Rui Moreira demonstra que é comum ouvir-se “se as coisas correm bem é graças à nossa governação, mas se correm mal a culpa é da Europa”. Uma atitude um tanto ou quanto “disléxica”, atendendo a que “exportamos soberania” para Bruxelas e enquanto Estado-Membro da União Europeia interferimos muito pouco no processo de criação da moeda única, recorda.

Por outro lado, o autarca independente lamenta que, na generalidade, os europeus se tenham esquecido dos três pilares que deram origem à Europa: Atenas, Jerusalém e Roma. Uma crítica que não dissocia do facto de nelas estar implícita uma ideia de “cristandade” que, nos dias de hoje, tende a ser oprimida. Estamos na era do “insuportavelmente” correto, adjectiva Paulo Portas.

“Temos de olhar para África. O futuro está a Sul”

Se a crise europeia já não se resolve dentro do território, a solução está a Sul, declara Rui Moreira. “Temos de olhar de acordo com meridianos e não com paralelos” e, se assim for, haverá esperança no futuro da Europa.

Como propõe, “mais do que atlantistas, os europeus devem aproximar-se de África”. Nesse capítulo, Portugal pode ser determinante, “pela sua ligação e afinidade histórica”, advoga o presidente da Câmara do Porto.

Paulo Portas partilha da mesma opinião, acrescentando que “devia haver uma política europeia para África”, continente onde estão a nascer cidades todos os anos a um ritmo acelerado. Lamenta, pois, que as vantagens dessa aproximação quer em termos económicos quer demográficos, ainda não tivessem sido percepcionadas na Europa, quando já a China tomou a dianteira. Mas como verifica, o facto de os chineses, pela sua própria maneira de ser e estar, não se aculturarem, joga a nosso favor.

“A única área onde realmente onde europeus têm vantagem é na sua cultura e história”, corrobora Rui Moreira.

“O que leva à ascensão da extrema-direita é o voto contra a islamização”

Paulo Portas reforça que se a Europa for hostil a uma política de migrações, “terá um grave problema”. Não obstante, tem a esperança “de que aquilo que se instalou solidamente em países como França, Alemanha, Países Baixos e Bélgica”, e que se passa “praticamente ao nosso lado, a centenas de quilómetros”, não se relaciona com a política de migrações. “Tem a ver com o Islão”, declara.

Como continua o ex-vice-primeiro ministro, “estou convencido de que aquilo que leva à ascensão da extrema-direita e à sua conversão em voto secular é o voto contra a islamização”. Actualmente, 19% dos recém-nascidos em França têm nomes de origem árabe ou islâmica, regista o livro “L’Archipel Français”.

Por esse motivo, é preciso anotar na agenda da Europa a discussão do Islão, atenta Paulo Portas. E lança a questão: “Deve haver um mínimo ético comum que define o que é ser europeu? Sim ou não? Ou temos posição de neutralidade?”. Na opinião do ex-dirigente político, os europeus não devem esquecer que “é absolutamente natural no Islão a [Lei] Sharia ser superior à constituição de um país. Mas em nome de um acolhimento indiferenciado aceitamos recuar nos nossos valores de tolerância e de paz, que tanto nos custaram?”, indaga.

“Os outros povos têm direito a ser nacionalistas. Não nos devemos afligir com isso”

Rui Moreira acredita ser também esta uma questão fundamental, embora haja na União Europeia uma espécie “de acordo de gaveta” para não se falar no assunto. Contudo, o perigo está em comparar o Islão a uma religião, entende.

“Felizmente, no Médio Oriente são dados alguns sinais de esperança de que os países islâmicos voltem a ser nacionalistas. Porque não tenho dúvidas de que só vão ser uma coisa ou outra: ou fundamentalistas ou nacionalistas, porque não têm mais nada. O Islão não lhes permitiu um desenvolvimento cultural transversal”, examina.

Entre as duas hipóteses, Rui Moreira prefere claramente a segunda, porque ao contrário dos americanos, que “preferem acreditar que o Islão vai ser de alguma forma tolerante” e, com essa convicção, empreendem lutas contra os nacionalismos, o autarca diz que o perigo está “em dar poder ao Islão”.

Nessa medida, defende que “a Europa precisava de se aproximar mais dos russos que conhecem bem esta realidade, porque têm uma grande diversidade de nacionalismos dentro das suas fronteiras”. Além disso, o presidente da Câmara do Porto afere que “se entendemos que só com Europa não temos guerra, acho ainda que para não termos guerra precisamos da Europa com a Rússia. Ou seja, precisamos da Rússia para fazer o ‘tamponamento’ que não queremos fazer”.

Paulo Portas concorda. “Não temos de ter russofobia”.

“Para sermos competitivos temos que colocar questões sérias à Europa”

Entre as quais, a flexibilidade laboral, enuncia Paulo Portas. Comparando nesta questão aos EUA, os europeus mudam, em média, quatro vezes de emprego na vida, ao passo que os americanos 11 vezes. Na Europa, 70% do financiamento é feito à banca; em contrapartida, nos EUA a mesma percentagem é financiada pelo mercado.

Por outro lado, “a Europa está completamente fora da liderança da economia digital. Passamos a ser apenas um continente para visitar porque temos muita história”, diz o ex-vice-primeiro-ministro português, constatando que sem o predomínio europeu, a disputa pela maior potência mundial se faz entre os EUA e a China.

Ambos os protagonistas das Conversas à Porto reconhecem um forte espírito de competitividade à China e consideram que a Europa deve estar muito atenta a esta evolução. “Deixaram de ser o país que só copia. Em menos de um ano, é altamente provável que a China ultrapasse o registo mundial de patentes dos EUA”, informa Paulo Portas.

Para voltar a ser “relevante” em termos internacionais, a Europa não pode estar dividida e tem de abordar, sem medos, questões como as migrações e o comércio, concluem Paulo Portas e Rui Moreira.

O debate, promovido pela Associação Cívica – Porto, o Nosso Movimento, realizou-se na Fundação Dr. António Cupertino de Miranda e foi de entrada livre. A abertura da sessão, perante uma plateia constituída por associados e não-associados, coube a Francisco Ramos, presidente da Direcção do Movimento.

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