Na sessão, que Rui Moreira encerrou, foi vincada a ideia de que o problema da habitação é crónico e complexo, comum a todas as cidades de média e grande dimensão. Da habitação social (que no Porto, ao longo da última década, não recebeu qualquer investimento do Estado Central) à habitação acessível, os programas devem ser diversificados e convocar os setores público e privado. Também o mercado de arrendamento, que nas últimas décadas foi completamente sufocado em Portugal por políticas governamentais que promoveram a aquisição de casa própria, precisa ser reanimado, mas, para isso, exige-se um novo pensamento estratégico nacional em torno desta solução.
Ao longo da Conversa à Porto estiveram em análise três vetores determinantes na construção de uma cidade atrativa: Educação, Habitação e Bem-estar. Foi sobre eles que os convidados, especialistas em cada uma destas áreas, apresentaram o seu diagnóstico e projetaram o Porto-Cidade e o seu o futuro, de acordo com aquela que é a sua visão.
Uma rede de cuidados de saúde é importante para contribuir para o bem-estar da população
Henrique de Barros destacou que o bem-estar não é facilmente quantificável. Ainda assim, destacou a saúde como um dos índices que contribui para o bem-estar, a par da sustentabilidade e de pequenas ações que contribuem para, efetivamente, melhorar a qualidade de vida dos munícipes, como o número de ecopontos da cidade, que aumentou exponencialmente nos últimos anos, referiu.
Numa intervenção focada naquela que é a sua área de atuação – a Saúde – o presidente do Instituto de Saúde Pública da U.Porto realçou a importância de uma boa rede de cuidados de saúde para contribuir para o bem-estar da população e vincou a necessidade do planeamento, pois ainda hoje “olhamos muito para os cuidados de saúde como resposta de remediação”.
E, numa altura em que o processo de descentralização impõe às câmaras municipais a transferência de competências de centros de saúde, mas só para “gestão de assistentes operacionais e para o Ajax”, sem possibilidade de definição de horários de funcionamento e contratação de corpo clínico, como tem denunciado Rui Moreira repetidas vezes, Henrique de Barros frisa: “o fator fundamental para se ter boa saúde é a diminuição da desigualdade”.
A administração de Rui Moreira teve um papel importante na dinamização das escolas do município
Por seu turno, Ana Alonso apresentou à assistência desta Conversa à Porto (que pode assistir aqui na íntegra) a sua experiência enquanto professora do ensino secundário e diretora do Agrupamento de Escolas Fontes Pereira de Melo, funções que assumiu durante largos anos até data recente.
Sublinhou a importância do conceito de “escola a tempo inteiro” e partilhou a experiência de aprendizagem vivenciada no estabelecimento de ensino em que leciona, muito apostada em oferecer aos alunos um vasto leque de atividades e experiências educativas. Salientou também o importante papel da Câmara Municipal na promoção dessas atividades, vincando a necessidade de um diálogo contínuo e salutar com os agrupamentos de escolas.
Durante a governação do antecessor de Rui Moreira na Câmara Municipal do Porto, comentou que o município “não tinha ligação às [escolas] secundárias”. Entretanto – e felizmente – o panorama mudou com a chegada do novo executivo independente, que dedicou mais verbas e programas às escolas do município.
A este propósito, enumerou programas como o Porto de Futuro, que “aproximou as empresas as escolas”; o Porto de Conhecimento, que, por sua vez, “aproximou as faculdades e politécnicos” do universo escolar, resultando no desenvolvimento de projetos conjuntos; o Porto de Crianças, promotor de aulas de yoga e até de Filosofia dirigidas aos mais novos; o Políticos por um Dia; o Porto a Ler, entre outros programas de combate ao insucesso escolar e concursos educativos. O lanche escolar que passou a incluir fruta, as bolsas de estudo para o Ensino Superior, o investimento nas AEC (Atividades de Enriquecimento Curricular), a requalificação contínua das escolas, “hoje muito mais funcionais”, o passe intermodal gratuito Porto. 13-18, foram outras notas positivas deixadas ao trabalho da Câmara Municipal por Ana Alonso.
O problema da habitação é complexo, mas “o Porto tem a sorte e felicidade de ter um conjunto de políticas públicas que tocam ações diferentes”
Em matéria de habitação, palavra ao antigo diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, Carlos Magalhães, cargo que ocupou entre meados de 2010 e final de 2018. O problema, considerou, “é denso e complexo” e, nessa medida, exige uma multiplicidade de respostas, mas também requer convergências políticas.
“A habitação exige um esforço brutal de racionalização dos problemas e das soluções possíveis”, pois levanta “novas e permanentes questões” em matéria de políticas de urbanismo, assinalou.
Nesse sentido, o professor catedrático observou que qualquer resposta gizada no domínio da habitação requer tempo para projetar e concretizar obra, e chamou a atenção para o facto de este tipo de projetos ser incompatível com os ciclos autárquicos. “São dos programas mais duros para encontrar medidas e resultados palpáveis a curto prazo”, porque o ciclo de ações é muito alargado, defendeu. Construir nova habitação “não é compatível com ciclos eleitorais de quatro em quatro anos”, vincou Carlos Magalhães.
“É preciso o esclarecimento opinião pública sobre esta questão, porque acha inaceitável a morosidade”, sinalizou ainda.
O arquiteto entende também que “o Porto tem a sorte e felicidade de ter um conjunto de políticas públicas que tocam ações diferentes”, tendo dado como exemplo “o exercício do direito de preferência”.
Numa intervenção em que atravessou os problemas habitacionais da cidade do Porto ao longo dos últimos séculos, a começar pela especificidade das ilhas do Porto, enquanto aglomerados habitacionais nascidos no século XIX para alojar as classes operárias vindas do interior e das periferias, assim como a construção dos primeiros bairros sociais, destinados inicialmente aos funcionários públicos, Carlos Magalhães chegou ao tempo presente para constatar que hoje “a dificuldade em encontrar habitação a preços acessíveis” é “transversal a Portugal” e afeta, sobretudo, os jovens.
“O problema pode ser atacado por várias medidas e políticas de habitação que estão a ser gizadas”, da habitação nova, da habitação reabilitada ao apoio à renda. Na sua opinião, há, contudo, um problema que subsiste há décadas. “Falta a Portugal um efetivo mercado de arrendamento”, declarou.
Questionando o porquê de este sistema não funcionar em Portugal, ao contrário do que sucede por toda a Europa, o arquiteto sublinhou a “necessidade imperiosa” de dar “a reviravolta” no mercado de arrendamento, começando, desde logo, pela redução fiscal. “28% [das rendas] vão para impostos”, informou. Enquanto a oferta for escassa, os preços vão continuar proibitivos, continuou.
“As forças políticas têm desvalorizado o efeito bloqueador que isto tem”, sobretudo numa época em que os mais jovens, por questões de emprego e de mobilidade, não se querem “sujeitar ao espartilho da compra”, analisou.
Rui Moreira defende que o problema da habitação deve ser mitigado pela redução dos custos de contexto
Rui Moreira encerrou a sessão das Conversas à Porto dedicadas ao Estado Social, refletindo que para lá da saúde e da educação, que ao longo das últimas décadas foram áreas que conheceram uma considerável evolução, de facto, é a habitação que concentra a maior parte dos esforços no tempo atual.
Hoje com “13% da população a viver em habitação social no Porto”, contrariando uma média nacional muito pouco expressiva, que cifra nos 2%, e que a meta do Governo quer empurrar para os 5%, o candidato à Câmara Municipal do Porto exige mais compromisso do Estado Central nesta matéria, lembrando que, nos últimos dez anos, não houve “tostão” para habitação social.
Criticando ainda o facto de a classe média, fruto das políticas vigentes, ter sido “encostada a comprar habitação” ao longo das últimas décadas, o que inevitavelmente fez congelar o mercado de arrendamento, Rui Moreira concluiu que “era muito provável que houvesse esta crise”, uma vez que o salário médio das famílias não têm aumentado e que os jovens não auferem de um bom salário no seu primeiro emprego.
O problema, que subsiste desde sempre, considerou, deve ser mitigado, por um lado, pela redução dos custos de contexto (baixa taxa do IMI, evolução na gratuitidade dos transportes, preço da água reduzido), e com a aposta em apoios à habitação, seja através de nova construção de habitação social e acessível, ou mobilizando recursos de subsidiação, como já acontece com o pioneiro programa municipal de apoio ao pagamento da renda, o Porto Solidário, que só este ano tem orçamentada uma verba de 3 milhões de euros.
“Não vamos dizer que vamos conseguir x mil casas. A ideia de que se vai construir x mil casas em quatro anos, não acredito”, concluiu.