O presidente eleito pelo Movimento Independente à Câmara do Porto recordou que a mudança à lei autárquica resulta de uma iniciativa do PSD, com a cumplicidade do Partido Socialista, depois de os sociais-democratas terem tentado vencer a última campanha eleitoral na secretaria.
Esta aliança do bloco central – avisa – tem a mira apontada aos movimentos independentes. “Transforma a possibilidade de um grupo cidadãos eleitores poder concorrer às próximas eleições autárquicas numa quase impossibilidade, violando um princípio constitucional que vigorava desde 1997”, afirmou Rui Moreira, lamentando também que a lei, aprovada no Parlamento em julho do ano passado, tenha recebido “o acordo tácito do Presidente da República” e tenha contado com o “silêncio sepulcral da comunicação social”, que só muito recentemente prestou atenção à matéria. (ver vídeo do debate AQUI).
Para ficar claro os entraves que as alterações à lei autárquica colocam aos grupos de cidadãos eleitores, o autarca explicou que o nome com poderá concorrer à Câmara e à Assembleia Municipal não poderá ser o mesmo nome com que se apresenta às freguesias, referiu no debate em que também participaram, por videoconferência, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, o presidente da Câmara de Ovar, Salvador Malheiro, e o presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares.
Na sua leitura, as mudanças à lei “têm como único objetivo inviabilizar que os grupos de cidadãos eleitores possam concorrer”. Por isso, mais valia que os partidos tivessem, “por um dia, a coragem de dizer: ‘estes senhores não podem concorrer: têm de formar um partido ou têm de se filiar nos nossos partidos’”, propõe.
Atos eleitorais em plena pandemia
O fundador da Associação Cívica – Porto, o Nosso Movimento, que no mesmo fórum admitiu a possibilidade de se prever o adiamento das eleições autárquicas devido à pandemia, acusou os partidos políticos de terem dois pesos e duas medidas relativamente à situação do confinamento em época de eleições.
“Se os senhores entendem, e tomem como certo, que as eleições podem decorrer no dia 26 de setembro, então no Parlamento deliberem que, nas três ou quatro semanas anteriores, não há estado de emergência, que as pessoas não ficam fechadas em casa”. “O eleitorado não consegue compreender. Eu não consigo compreender como fechamos o país, mas para qualquer coisa que tenha a ver com os partidos políticos abrimos o país. Tenham então a coragem de dizer assim: ‘qualquer que seja a situação de pandemia, naquele mês anterior, não há pandemia. Anula-se a pandemia por decreto”, ironizou.
Fernando Medina: “concordo com o que Rui Moreira disse”
O presidente da Câmara de Lisboa, eleito pelo PS, declarou no mesmo debate estar contra a nova lei. “Não concordo com esta alteração. Acho que nada justifica aquilo que foi feito relativamente aos movimentos independentes. É como diz Rui Moreira: se quiserem acabar com a possibilidade de haver pessoas não filiadas em partidos, então acabe-se. Agora tentar regular pela lei a motivação do nível de independência, com franqueza, acho que a lei não deve ter esse papel”, afirmou Fernando Medina.
Para o autarca socialista, é inequívoco que a alteração à lei “é motivada pelos dois grandes partidos”, PS e PSD. “Deram um sinal negativo”, lamentou Fernando Medina, referindo não concordar também com o facto de a nova formulação legal obrigar os grupos de cidadãos eleitores a concorrer com nomes diferentes aos municípios e às freguesias.
Já o autarca eleito pelo PCP, Bernardino Soares, reconheceu que a candidatura independente de Rui Moreira à Câmara do Porto diverge da grande maioria das proposituras independentes que grassam no país.
“Faço justiça ao Rui Moreira, porque me parece que o movimento que encabeça tem diferenças significativas em relação à esmagadora maioria das outras candidaturas ao abrigo desta possibilidade. Vamos lá dizer a verdade: a esmagadora maioria das outras candidaturas resultam de dissonâncias internas de uma força política que levam a que quem foi preterido encontre uma forma de se candidatar. Mas a base é partidária”, sublinhou o comunista.
Opinião divergente tem Salvador Malheiro, presidente de câmara eleito pelo PSD. “Na minha ótica, trata-se de uma clarificação da lei e não é dirigida aos movimentos independentes. No meio do articulado, há o que diz respeito aos cidadãos eleitores”, justificou o autarca social-democrata na TVI24, vincando que “esta não é uma lei anti Rui Moreira ou uma lei anti movimentos independentes”.
Movimento tem “compromisso político com a cidade”
O argumentário não convenceu Rui Moreira. “Tenho muito apreço pelo Salvador Malheiro. Mas está a tentar a explicar o que não tem explicação”, assinalou o presidente independente da Câmara do Porto, recordando que na própria Assembleia da República houve deputados que disseram que a alteração à lei era “um fato à medida”.
“Se partidos políticos querem que os grupos de cidadãos eleitores se organizem em partidos políticos para concorrer, digam. Mas é uma pena”, assentou Rui Moreira, esclarecendo aquilo que separa o Porto, o Nosso Movimento dos partidos políticos.
“O nosso grupo de cidadãos independentes juntou-se à volta de um projeto que não tem necessariamente uma linha ideológica, mas tem determinados compromissos políticos com a cidade”, facto que conduz, continuou, a que pessoas de todos os partidos, da direita à esquerda, votem neste projeto para a cidade do Porto.
“Se os partidos tradicionais se sentem ameaçados, aquilo que devem fazer é o seu trabalho de casa e combater nas urnas. Não é mudando as regras”, declarou Rui Moreira.
Regras essas, detalhou, que vão sujeitar o grupo de cidadãos eleitores, na circunstância da recolha de assinaturas, a correr o risco de um juiz de turno recusar o nome da candidatura, desprezando assim todo o esforço empreendido na fase da recolha.
“Com todas estas complicações, os grupos de cidadãos eleitores não têm senão uma de três soluções: ou aderem a um dos partidos existentes; ou podem continuar como grupo de cidadãos eleitores e correr o risco de morrer na praia; ou então formam um partido”, assentou o autarca.
“Julgo que os partidos estão aqui a correr um enorme risco, porque ao tentarem alterar as regras, ao tentarem alterar um equilíbrio que funcionava bem, podem estar aqui a criar um enorme problema. E isto é o que leva ao desamor pela política”, concluiu.